Canto de Fim de Noite

Adentrei meio sem jeito. O bar estava cheio e o único lugar disponível no balcão era ali, ao lado do barbudinho que estava com os braços encerrados olhando fixamente para algum ponto naquela imensidão de garrafas de álcool.

Não consegui diferenciar qual era o tipo de bebida que o estranho de hastes longas saboreava. Preferi cantarolar Smiths e entender melhor o ambiente. Acostumava-me com o cheiro dos cigarros e lançava tímidos sorrisos na multidão para conseguir um isqueiro sem levar uma cantada de brinde. Sempre ganhava uma cantada de brinde. Sempre me esquivava da maneira mais sútil que – depois de anos de prática – consegui, enfim, aprimorar: “tenho namorada, foi mal, não é nada com você”.

Mas sempre era algo com alguém que tentava, por um mínimo de segundo: aprovação. Tire a beleza mundana, as roupas descoladas, o amarelo do Lucky Strike no canto dos dedos. Depois daquela noite todos voltariam a ser marionetes e continuariam encenando para os chefes os ridículos papéis que repetiam e repetiam e repetiriam sem sentido algum.

Mas o problema é encarar aqueles cabelos grandes e perceber que parecem alheios a todos esses estereótipos. Ele continua sorrindo – balançando o copo por entre os dedos e tagarelando, vez ou outra, alguma frase de uma música qualquer. Ele continua seguindo a batida. Mesmo silenciosamente, quietinho, naquele canto que mais parece fim de noite, com aquele boné surrado e os chinelos descansados no pé da mesa. Ele não tem nada demais, pensei.

Apresentou-se como Orácio, desculpou-se por não poder oferecer um lugar para que eu me sentasse. Levantou-se, disse algo incompreensível, cedeu seu banquinho e perguntou meu nome. Encantei-me pelo sorriso e pelo olhar sereno que fazia com que o barulho, as pessoas e a angústia desaparecessem. Misturei meus problemas com alguma batida de limão e a conversa fluía tão bem que perdi a hora. Não importava. O coração estava em brasa.

O rapaz de cabelos grandes e meio desleixado desapareceu por entre as luzes vermelhas daquele pequeno bar sem sequer me dar um abraço ou acariciar meus cabelos. Não importa. Aquela foi a melhor noite da última semana.

. Ícaro Uther

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